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O que é “ser estratégico” hoje?

O termo estratégia tem um entendimento muito abrangente. Será que estamos todos falando da mesma coisa?

Você já deve ter ouvido algo sobre a habilidade necessária aos profissionais nesses tempos de Inteligência Artificial (IA). “Com a IA fazendo a parte mais pesada, mais repetitiva do trabalho, poderemos investir nosso tempo em sermos mais estratégicos”. Verdade ou não, a frase faz sentido e vende bem. O que eu me pergunto é: o que querem dizer ou entendem sobre esse ser mais estratégico aí?

Tendo uns bons aninhos de rodagem em nossa indústria vital da comunicação, justamente em áreas com a alcunha de planejamento ou estratégia, posso afirmar que o entendimento sobre o que é ser estratégico é bastante abrangente. Uns entendem que se trata de fazer uma boa leitura de cenário, para delimitar as questões que precisam de atenção. Outros entendem que é conhecer a fundo diferentes formas de execução de processos para facilmente elencar aquelas que fazem sentido para uma determinada resolução de problema. Há também quem entenda que é tudo isso e quem entenda que seja algo, na realidade, no meio do caminho. Tem ainda quem não acredite em estratégia, claro: tanto quem acredita na quase divina inspiração da criatividade que surge “do nada” como quem defenda que não vale perder tempo se já existem fórmulas e frameworks prontos para isso (e que não perder tempo é que é ser estratégico).

Uma vez que a parte que cabe ao humano conceber não está clara, a parte que vai ser atribuída à máquina pode também ultrapassar o repetitivo e passar a englobar também aquilo que simplesmente dá mais trabalho, que é pesado, mas que constitui parte importante do que é (ou pelo menos deveria ser considerado como) estratégico de fato. Porque há na promessa uma implícita economia de tempo e de esforços, mas há quem leia que tal promessa seria ter de forma instantânea e fácil as respostas que antes demandavam muito trabalho.

E é aí que a coisa desanda: economizamos tempo e até entregamos rápido. Certo. Fomos necessariamente mais estratégicos? Resolvemos o problema certo? Resolvemos algum problema? Tiramos bons aprendizados para as próximas?

A outra questão é que ao valorizar ou desvalorizar partes do processo de forma confusa, passamos a desvalorizar o todo. Se criamos a sensação de que a maioria das etapas são passíveis de automação e que as respostas surgem sem muito esforço, como é que podemos cobrar mais por isso? Como é que podemos cobrar por isso, já que tem um monte de solução de IA gratuita na Internet?

Por isso, não basta dizer que será estratégico. É preciso deixar claro o que isto quer dizer e mostrar o valor da parte humana do projeto. Inclusive na parte automatizada, para que o que for gerado pela máquina não soe como uma solução que qualquer um poderia ter obtido com prompts bem simples.

Elevar o nível da entrega e liberar tempo de trabalho são coisas bem diferentes

Podemos até levar menos tempo para analisar alguns dados e gerar variações para testar diferentes narrativas nas soluções criadas. Mas o tempo liberado é (ou deveria ser) rapidamente ocupado para ir um pouco mais fundo no conhecimento de cenário, para filtrar prováveis ruídos e alucinações, para ir atrás do caminho gerado por um insight.

Quanto mais temos a clareza do trabalho que precisa ser desenvolvido, mais certeira tende a ser a estratégia.

Portanto, não se trata de acelerar uma entrega, desvalorizando o trabalho que se tem para chegar a uma solução e colocando todo o trabalho de comunicação numa espiral da morte; mas sim poder fazer trabalhos mais impressionantes, mais criativos e com maior potencial de geração de resultados num tempo razoável para o desenvolvimento de uma proposta.

Há valor em processos repetitivos e pesados e é preciso conhecê-los antes de automatizá-los

Não quero romantizar o esforço de ninguém, mas é preciso reconhecer o valor que os trabalhos ditos pesados (ninguém está falando em peso literal aqui) repetitivos têm. E este valor se dá em muitas camadas.

Para começar, pergunte a alguém realmente criativo o quanto ele precisou repetir traços, pinceladas, escritas, ensaios e afins. É preciso aprender, sim, o trabalho dito pesado. Da parte da transpiração pós-inspiração criativa. De botar no papel e depois botar na rua. Porque dá uma dimensão exata das virtudes e dos limites de nossas capacidades, aumenta os recursos que conhecemos e possibilita que exploremos as falhas na execução para encontrar atalhos eficazes de se obter resultados com um esforço menor nas próximas ocasiões.

Ou seja: que nós tomemos uma decisão muito mais controlada de quais parte podem ser automatizadas sem prejuízo ao produto final do trabalho. Não à toa, tais partes do processo eram ofertadas a quem estava começando na área de atuação. E é algo que poderá fazer falta a eles (e por consequência, a todo o mercado) no futuro.

Há também uma pausa estratégica na tomada de decisões estratégicas. Em outras palavras, a gente precisa alternar o tipo de trabalho que fazemos para que o nosso cérebro não se esgote. De repente, um pouco de trabalho repetitivo é justamente o que precisávamos como uma pausa para criar coisas ainda mais impactantes depois. O que também já previne o comprometimento da atividade cerebral causado por uso demasiado de IA (que ainda precisa ser mais estudado, mas quem sou eu para contrariar o MIT?).

Mas então a ideia é não usar a IA?

Defendo que não nos fechemos ao uso de tecnologia alguma, mas a questão é que não há tecnologia que seja uma panacéia. Toda tecnologia pode e deve ser utilizada com alguma crítica, com um bom entendimento do que dá para fazer com ela e o que não dá.

Somente usar uma ferramenta não substitui o repertório acumulado por uma bagagem laboral, cultural, social, acadêmica.

A preocupação se dá aqui: estamos (enquanto sociedade) substituindo o acúmulo de repertório pela experiência por uma virtualização do conhecimento. Conectados a tudo, mas sozinhos. Com acesso a mais informações, mas não sabendo o que é verdade e o que é inventado, consumindo menos cultura, lendo menos. Em suma, deteriorando nossas capacidades.

Isto não combina com ser estratégico, qualquer que seja a sua definição para o que é tal condição. Estamos, em todos os casos, defendendo uma ampliação da nossa capacidade de resolver problemas com criatividade, o que passa por ampliar a nossa experiência diversa e diuturnamente.

Portanto, não é uma questão binária – usar ou não usar o recurso da IA. É mais uma questão de saber quando usar. E saber que não dá para usar para tudo. E nem dará, por mais que tentem lhe convencer não há nada que não possa ser substituído por ela. E sim, isto vale para criar planos, qualquer tipo de plano.

Foto: Maizal Najmi no Pexels.

Também publicado em https://www.linkedin.com/pulse/o-que-%25C3%25A9-ser-estrat%25C3%25A9gico-hoje-luiz-yassuda-69bof