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Fediverso é uma utopia e é uma delícia!

Talvez ele nunca seja algo para atrair 3 bilhões de pessoas. Mas seu funcionamento atual merece mais atenção por já oferecer muito.

Eu já falei em outros momentos que o Fediverso é uma ideia que valia o meu incentivo, apesar de eu saber que a curva de aprendizado seria muito difícil para a maioria dos usuários das redes sociais mais convencionais. É de fato muita fricção, conceitos diferentes para entender depois de anos acostumados a lidar com poucas empresas cuidando de absolutamente tudo para todo mundo.

Se a coisa é novidade para você, eu gasto um tempo para explicar: Fediverso é o nome dado para o conjunto de dados e usuários de redes sociais descentralizadas – são alguns exemplos o Mastodon (que ganhou fama como uma alternativa ao Twitter, sendo uma plataforma de microblogging), o PixelFed (chamando a atenção atualmente por ser uma opção ao Instagram), o Loops (o caçula da turma, mas um projeto para trazer usuários do TikTok para o Fediverso), o Matrix (uma espécie de comunicador e gestão de times, como o Slack e o Microsoft Teams, mas que também funciona como um WhatsApp), entre outros.

Em comum, estes serviços utilizam um mesmo protocolo para a publicação e troca de informações entre usuários – chamado ActivityPub. O que isto significa na prática? Que qualquer pessoa ou empresa pode abrir um website para rodar o seu próprio serviço com qualquer uma dessas ferramentas e os seus usuários vão poder seguir e interagir com usuários de qualquer outro serviço usando o ActivityPub. Acompanhar atualizações de diferentes fontes de informação, dar likes, comentar, republicar em seu próprio perfil dando o devido crédito. E quando achar que aquele seu provedor do serviço não está funcionando bem para você, sem problemas: basta migrar para outro site que rode o serviço, o que é chamado de instância – no caso do Mastodon, há dezenas de milhares para escolher. A parte difícil é que cabe a você encontrar informações a respeito e ir testando o ambiente e onde se sente melhor. Outro fator complicador é que as pessoas podem esperar a mesma experiência de outras redes sociais (“ah, não é tipo um Instagram? Por que não funciona rigorosamente igual? Cadê os reels?”) e isto simplesmente não é possível. Mas pense se você poderia assistir, navegando no Instagram, a algo que alguém do TikTok acabou de publicar e logo depois ler o “fio” que um jornalista publicou no Xwitter. Impossível, não é? Não para usuários do Fediverso: a troca entre instâncias ultrapassa as barreiras do serviço utilizado por cada uma delas.

Continuo afirmando que ainda é uma utopia. É uma parafernália complexa para configurar. Ou é minimamente intimidador escolher uma instância sem bem entender o que é uma, as suas regras, que invariavelmente dependem de outras pessoas e às vezes apenas uma pessoa. Ainda que os mais velhos consigam se lembrar dos tempos sem o atual oligopólio digital, em que e-mails e websites eram também descentralizados, havia um monte de empresas competindo pela audiência e atenção naqueles primeiros dias de Internet comercial. Mas quando falamos em Fediverso, há um punhado de comunidades e alguns desenvolvedores bem-intencionados – outros nem tanto. Há até empresas – menores que as big techs, claro, mas ainda assim empresas, dessas que visam lucro. E uma promessa de transparência.

Ainda que algumas das gigantes ou de suas alternativas comerciais mais aclamadas até tenham se interessado pelo Fediverso, a sua integração ainda patina. Por exemplo: ao lançar o Threads, a Meta afirmou que abraçaria o ActivityPub, ainda que a passos lentos. Ao ver usuários de Instagram linkando conteúdo do PixelFed como uma alternativa para uma possível migração, no entanto, derrubou os links e qualquer remota possibilidade de integração neste momento.

Talvez com todo o novo contexto geopolítico que envolve os gigantes de lá, o papo de abertura e contribuição seja mesmo deixado de lado. O Fediverso só pode contar portanto com pessoas como eu e você. E quem sabe com aqueles que estão se sentindo meio perdidos ao sair das redes maiores. E por isso mesmo é uma delícia!

O Fediverso te espera!

maos de diferentes pessoas se unindo ao centro da foto

Qual é a equação para saber quando a fricção adicional do Fediverso vai valer a pena? Na opinião de quem comanda as redes sociais hegemônicas de hoje, este momento não chegou, talvez nunca chegará.

Mas toda vez que alguma notícia de maior impacto chega, é possível acompanhar uma certa movimentação em direção às redes descentralizadas. Com os recentes anúncios e fotografias da posse do presidente americano, além daquele banimento para inglês ver do TikTok, houve uma procura acelerada pela alternativa ao Instagram (o suficiente para colocar o app do PixelFed entre os mais populares nas lojas de aplicativo) e seu projeto que reúne também a alternativa ao app chinês já arrecadou mais que o dobro de sua meta inicial no Kickstarter em apenas 4 dias.

Além de aguardar se as pessoas vão vir agora que o campo foi construído, há entretenimento e informação sendo compartilhados pelos atuais usuários. Sempre é possível descobrir algum projeto interessante acontecendo, como todos os que citei nesta publicação com seus devidos links.

Eu continuo aqui incentivando. Passei os últimos dias acompanhando com mais afinco a minha timeline do Mastodon e abrindo uma conta no PixelFed. E a cada novo movimento desta vibrante comunidade, eu me torno um pouco mais otimista de que esta alternativa pode um dia mudar a distopia que as atuais redes sociais hegemônicas ajudam a construir.

Ah, e para quem perguntar sobre a não-citação do BlueSky entre os projetos de Fediverso, aqui tem uma explicação longa sobre ele não ser descentralizado, precisando na prática de grandes estruturas para permitir que funcione.

Fotos: Kelly Sikkema e Hannah Busing | Unsplash

Por Luiz Yassuda

Autor deste site. Diariamente comentando os absurdos cotidianos lá no Mastodon (@luizyassuda@bolha.us) e eventualmente nos podcasts O Alvissareiro e Braincast.