É verdade. Apesar de editoriais terríveis fazendo pouco caso das iniciativas pelo tranporte público, a Globo parece disposta a discutir caminhos interessantes para a cidade de São Paulo. Ainda que a maior parte das discussões que acontecem em eventos não vai parar no noticiário da TV, o projeto Anda SP soa como uma tentativa honesta de jornalismo.
Hoje aconteceu um seminário em parceria com a Escola Politécnica da USP e contou com a presença de Robert Cervero, da Universidade da Califórnia; Orlando Strambi, da já citada Poli; Regina Meyer, da FAU-USP; além do pesquisador Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, do Ipea; e Andrea Leal, consultora do Banco Mundial e do WRI (World Resources Institute). O seminário foi transmitido ao vivo pela Internet (uma pena que não foi deixado para quem não pôde assistir durante a manhã) e aqui eu comento algumas coisas interessantes que ouvi ali:
“É necessário desestimular o uso de carros”
Eu mesmo já venho batendo nessa tecla, mas não sou especialista. As pessoas precisam de motivos para deixar o carro em casa. E não é exatamente transformando o ônibus num transporte que seja tão confortável quanto o carro (em lugar nenhum do mundo é assim), mas sim tornando a opção do carro menos aceitável para os grandes deslocamentos pela cidade.
Desestimular o carro é, com certeza, uma medida nada popular. Dizem que o primeiro prefeito que colocar um pedágio urbano em São Paulo não se reelege, mas os exemplos trazidos pelos convidados, como Santiago, Londres e Estocolmo mostram que, mais do que aceitos, os pedágios urbanos ajudaram inclusive na popularidade dos prefeitos. Estocolmo implantou, desligou e depois perguntou à população: com ou sem? A resposta: a população aprovou o pedágio.
O paralelo traçado pelo professor da Poli entre pedágio urbano – hoje extremamente impopular – e rodízio de veículos foi interessante: ninguém gostava do rodízio, mas hoje há na cidade mais gente que admita um segundo dia de restrição do que ficar sem ele.
Deixar de estimular a venda indiscriminada de carros na Grande São Paulo também pode ser um bom começo. Como lembrou a professora da FAU, “acabamos de sair de uma década de IPI zero para automóveis. É como promover campanhas contra o fumo e, ao mesmo tempo, distribuir cigarros gratuitos”.
Opções de transporte não excluem as outras
É claro que estamos num processo longo de aprendizado sobre a concepção de mobilidade em São Paulo. Cada pessoa vai querer descrever o que funciona melhor para ela, seja bicicleta, ônibus, metrô, ir a pé, táxi, etc. O que parece mais claro hoje do que já foi há alguns anos é que não pode haver investimento em um modelo em detrimento de outro. Investir em metrô é necessário? Sim. Mas ele será insuficiente se não houver alternativas.
Corredores de ônibus são mais fáceis e baratos de implantar, além de possuírem grande capacidade. Concordo que a faixa de ônibus à direita não é perfeita, mas esperar até que todos os 300km fossem feitos como um BRT (como as faixas da Rebouças e da Nove de Julho) poderia ser tempo demais para um mandato de 4 anos. Parece-me que a intenção é esta (transformar as faixas em BRT), como já começaram a fazer na Nove de Julho e estão planejando em outras grandes avenidas.
Fretados, bicicletas, carros de aluguel e esquemas de carona também são bem-vindos. Ainda sobre a questão do desestímulo ao carro, a consultora do WRI comentou sobre como pouco a pouco as empresas da região da Berrini estão mudando os estímulos aos funcionários, direcionando benefícios para aqueles que optam por modelos alternativos de transporte. Estamos falando de uma região que tem trânsito de 30 minutos para sair do estacionamento das grandes torres…
A discussão está só no começo
Sim, há muito o que fazer e discutir ainda por uma cidade que se desloque mais facilmente. Isso começa por como ela é concebida (e por isso, a importância do bastante citado Plano Diretor), passa pelos investimentos em diferentes modais de transporte e pelos incentivos para que as pessoas troquem o conforto individual.
Como eu já disse antes, já tive um carro. É óbvio que era mais confortável ficar preso no trânsito dentro dele do que num ônibus, mas hoje os deslocamentos via corredor estão muito rápidos. O metrô também opera bem fora dos horários de pico e eu não ouso atravessar uma Avenida Paulista com outro meio de transporte. Andar a pé é saudável e ainda oferece saber mais sobre a cidade e suas opções de comércio e lazer. Confesso que ainda morro de medo de andar de bike, mas com o novo deslocamento diário que pretendo fazer, talvez seja uma solução interessante. E quando bate a preguiça, sobretudo nas noites paulistanas, há sempre a opção do táxi (se você acha o táxi caro e invíável, é bom fazer as contas de quanto você gasta por ano tendo um carro).
Sei que não vou convencer alguém que isso tudo é mais confortável que um carro. Mas é bacana ver que mais e mais pessoas vão descobrindo que o deslocamento pode ser mais cômodo via outros tipos de transporte. Até mesmo gente famosa.
Estamos num bom caminho.