Outro dia, eu descia a Rua Augusta a pé e tirei a foto acima. Trata-se de um empreendimento recém-entregue, o primeiro de muitos que estão em construção na região conhecida como Baixa Augusta. Ele é um retrato fiel do descaso de nossa população com o espaço público.
Mas como um prédio tão novo, nem sequer neoclássico pode dizer tanto a respeito da concepção da cidade?
Veja, São Paulo é daquelas cidades com problemas grandes. Em números absolutos, temos índices que podem ser comparados a outras cidades que funcionam: nossa complexa malha de ônibus; nossos 74 quilômetros de metrô, somados a outros 260 quilômetros de trens metropolitanos; nossos milhões de automóveis; nosso PIB que, sozinho, supera diversos países; a melhor universidade da América Latina; o maior efetivo policial da federação. Mas tudo isso deve ser dividido entre mais de 20 milhões de habitantes.
Há muita gente na cidade, e nosso transporte público vive cheio, nossas ruas vivem congestionadas de carros, nossas escolas não atendem a todos, tampouco oferecem a melhor educação e nossos índices de criminalidade são altos.
O espaço público, assim, começa a ser agressivo ao indivíduo. A violência que enfrentamos e que assistimos todos os dias (e não precisa necessariamente ser em um assalto) nos dá vontade de manter uma distância segura das ruas.
É por isso que, mesmo com uma excelente capacidade para abastecer a cidade com os comércios locais, São Paulo prefere o shopping center e o hipermercado: ambos locais seguros, assépticos, sem aquela violência das ruas. E gosta do carro, este meio de transporte pessoal, de preferência com ar-condicionado para nem precisar abrir a janela. É por isso que os prédios têm grades e recuos e, nas versões mais novas, salões para festas, brincadeiras das crianças e academia, varanda gourmet, entre outros itens: quanto maior a distância e a sensação de que não se está mais na rua, melhor.
Menos comércio local significa menos motivos para andar a pé por perto. Se é necessário ir mais longe, melhor pegar o carro. É até mais prático já que o trabalho também fica longe. Se pouca gente anda na rua, ninguém precisa de calçadas tão largas, não é? Melhor ampliar a avenida. E para repelir de vez o movimento estranho por perto de casa, que tal elevar o muro, colocar grades, cercas elétricas e vidros blindados?
Mas, vez ou outra, precisamos sair a pé. E aí vemos que as calçadas são um desastre, que o transporte está cheio, que as ruas são ermas à noite e mal-iluminadas. E provamos o nosso ponto: São Paulo é violenta, suba mais um pouco esse muro.
Mas não precisa ser assim. Porque o espaço público não tem esse nome à toa. Ele é do público, ele só existe por causa do público. Era nas praças que as pessoas se encontravam e se informavam, e as ruas já existiam antes dos carros.
Pensando no exemplo da Rua Augusta. O prédio só está ali porque há pessoas que agora querem morar nela. E as pessoas querem morar nela porque o espaço público foi tomado, dando uma vida diferente do habitual na cidade escura e insegura. Um bairro que se destacou entre os demais, cujo preço do metro quadrado já é comparável aos dos bairros mais nobres do mundo.
Aí o gênio da arquitetura desenha um prédio completamente integrado com este feeling da rua, só que não: por causa do barulho, por causa desse intenso movimento, melhor subir mais o muro e manter aquela sensação de sair da rua e se isolar da cidade para quem pode pagar por isso.
Não precisa de bola de cristal para prever o que vai acontecer com a mesma Rua Augusta quando todos os prédios forem entregues e quando todos os casarões que hoje abrigam bares, baladas e outros comércios alimentarem a sanha do mercado imobiliário. Imagine uma Rua Augusta tomada dos Jardins ao Centro por fachadas como esta da foto. Qual espaço público vai sobrar para ocupar?
Qual é, afinal, a cidade que queremos?